domingo, 4 de dezembro de 2016

A tragédia da Chapecoense provocou uma enorme perda no jornalismo esportivo. E grande vazio para quem teve a sorte de conviver com Victorino Chermont. Descanse em paz, amigo...

A tragédia da Chapecoense provocou uma enorme perda no jornalismo esportivo. E grande vazio para quem teve a sorte de conviver com Victorino Chermont. Descanse em paz, amigo...




Afinidade é algo indispensável em qualquer relação humana. Entender o que se passa na alma de quem está falando, ouvindo, rindo, chorando. Essa é a base de uma amizade. Não importa o tempo passado juntos. Há ou não há afinidade. Era o que acontecia comigo e Victorino Chermont. Nos encontrávamos em todas as grandes coberturas do futebol brasileiro desde 2002. Lembro quando ele empunhava o microfone do Sportv, no Japão. Em suas longas entradas ao vivo, assim que me via, me chamava para opinar. E assim foi, por anos. Em Copas, Copas América, Libertadores. Muita conversa, risadas. E principalmente as duas grandes preocupações. A primeira era com a informação correta. A busca da fonte verdadeira. O inconformismo com a resposta oficial dos clubes, da CBF. Victorino era absolutamente diferente da maioria dos repórteres de televisão. Incansável na busca de notícias exclusivas. Movido a uma energia sem fim. Não aceitava apenas os horários de treinos e os jogos. Não se enganava com a resposta pronta, "sem imagem, não há notícia para a tevê". Uma falácia. Ele aprendeu a buscar os bastidores, a contextualização, explicar os motivos e as consequências de qualquer notícia. Aprendeu com o pai, intelectual, Victorino Coutinho Chermond de Miranda. Escritor, advogado, pesquisador e genealogista. Vice-presidente do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Foi dele que herdou o nome e o amor pela leitura, pela informação. Essa fome de pesquisador estava nos seus cromossomos.

Nossa grande diferença era clara e até ironizávamos. "Você é muito duro, Cosme. Tem de bater, mas não pode espantar o dirigente, o jogador. Isso é coisa de paulista." Carioca até a raiz dos cabelos, ele se orgulhava do jogo de cintura. Ele era capaz de fazer as perguntas mais firmes, pertinentes, incômodas a quem quer que fosse. E depois, cumprimentava o entrevistado. Deixava a porta aberta para outra entrevista. Era um profissional do mais alto gabarito. Cumpria sua função e não perdia a simpatia nata. Impossível não se deixar cativar por sua ironia ácida, provocativa. Nesta Olimpíada, ficamos muito próximos. Jantamos inúmeras vezes juntos. Por causa do comentarista Leandro Quesada, paulista que foi trabalhar com Victorino, na Fox Sports. Presença frequente era o repórter cinematográfico Rodrigo Santana. Tomamos voos juntos na loucura que é o torneio de futebol nos Jogos Olímpicos. A serviço da política, a Seleção de Neymar excursionou pelo Brasil. "Enquanto a Olimpíada de verdade acontece no Rio", brincava Victorino. Nesses jantares,longos, muitas vezes para compensar a falta de tempo para o almoço, repartimos também a mesma aflição. A segunda preocupação básica. Como conciliar essa nossa vida atrás da notícia com a família? O sacrifício que exigimos de nossas esposas em todos os finais de semana, feriados. Os dias curtos para Natal, Ano Novo. A falta de descanso para a mente. Mesmo em férias, o telefone toca, a informação chega por e-mail. E tudo à nossa frente some. Inclusive nossas necessidades mais básicas. Como nos alimentar, ir ao banheiro, dormir. O que importa é ter a notícia. E inúmeras vezes as nossas famílias são sacrificadas. Me ouvi quando o Victorino se prometia que iria aproveitar mais a vida depois de cada cobertura. Só precisava de mais tempo. Falava com carinho, amor da esposa Luciana. E do filho adorado, também com o nome Victorino, tradição da família. Conheci os dois em Teresópolis. O orgulho da família era algo transparente. Ao contrário de São Paulo, os jornalistas cariocas seguem apaixonados por seus clubes.

Victorino era Flamengo até debaixo d"água. Sério, cansou de dar informações desfavoráveis, criticar o rubro-negro. Mas quando largava o microfone, adorava assistir aos jogos com o filho. O filho o reaproximo da arquibancada. Ambos iam de peito aberto, com a camisa flamenguista, sem o menor problema. Sua seriedade jornalista estava acima de tudo. "Em São Paulo, nós perdemos a fantasia. Impossível torcer para um clube sabendo o que ocorre nos bastidores. Os interesses. Vocês cariocas são loucos", provocava. Victorino respondia na lata. "Nós sabemos viver. Separamos as coisas e aproveitamos o que a vida tem para dar. Ficar lá no meio da galera do Mengão no Maraca,com o meu filhão, é uma das melhores coisas do mundo. Do mundo." Penso nesse trecho das nossas conversas hoje, domingo dia 4 de dezembro, às 11h32. Victorino nunca mais terá a sensação de abraçar o adorado filho, a amada Luciana. Será velado às 14 horas no Salão Nobre do Flamengo. Será enterrado às 15 horas no São João Batista. As 16 horas, Paulo Júlio Clement, também parceiro, será enterrado no mesmo cemitério. As 15 horas será velado no Fluminense, seu time de coração.

Assim como PJ, Victorino terá uma justa homenagem. A sala de imprensa do novo CT do Flamengo terá o seu nome. Ficará para sempre como símbolo de bom jornalismo esportivo. Sério, firme. Mas sem perder a ternura. Nas ironias da vida, os jornalistas não escolhem os voos quando vão para a cobertura. São as empresas que escolhem. E a preferência é sempre por acompanhar a delegação. Fazer imagens do embarque, de dentro do avião, do desembarque. Facilita a aproximação dos repórteres dos jogadores. Ainda mais Victorino, que adorava conversar. Sempre arrancava a notícia que fugia do dia-a-dia. E os clubes brasileiros nunca fizeram uma investigação profunda sobre os aviões que colocam seus atletas. E se os jogadores vão, os jornalistas, vão também. Foi o que aconteceu no infeliz voo fretado da Lamia que levaria a Chapecoense para a decisão da Copa Sul-Americana. E chegou a tragédia, a 30 quilômetros do aeroporto internacional de Medellin. Victorino brincava com Rodrigo Santana, seu câmera, que não gostava de voar. "Fica tranquilo. Avião não cai." O jornalismo esportivo precocemente um grande repórter. Eu, perdi, um parceiro de vida. Que nunca mais encontrarei com a Seleção Brasileira, sorrindo. Animado por mais uma cobertura, incansável. Mandando fotos para o filho, para Luciana. Pensei cem vezes se escreveria ou não essa matéria. Mas a saudade me obrigou. Seu filho vai se orgulhar do pai que teve. Eu tenho, por ter sido seu duro amigo paulista. Descanse em paz, Victorino...



   

Fonte: Esportes R7
Autor: cosmermoli
Publicado em: 04 Dec 2016 12:17:18

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